quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Crônicas de uma Olimpiada II


A história das Olimpíadas não foi escrita apenas com o suor dos atletas. Algumas páginas foram escritas com sangue. Na manhã de 5 de setembro de 1972 uma célula do grupo palestino Setembro Negro invadiu a Vila Olímpica para atentar contra a vida da delegação israelense. Os principais números dos Jogos Olímpicos de Munique não foram os registrados no quadro de medalhas, mas das pessoas mortas, vitimadas pela intolerância: dois atletas, nove reféns, um policial e cinco terroristas.

Outros eventos marcaram a complexa relação entre esporte e ideologia, economia e religião. Em Berlim, 1936, o velocista negro Jesse Owens conquistou quatro medalhas de ouro e expôs ao ridículo as teses nazistas que defendiam a supremacia da raça ariana. Em 1968, o ano não terminou também nos jogos do México. Emoldurados pelos estudantes das ruas de Paris, o AI-5 e a tortura no Brasil, e o assassinato de Bob Kennedy e Martin Luther King Jr., os velocistas americanos Tommie Smith e John Carlos, ouro e bronze dos 200 metros, subiram ao podium e ergueram o punho na saudação típica dos Panteras Negras. Foram expulsos da Vila Olímpica e suspensos pelas autoridades esportivas norte americanas, e somente trinta anos depois receberam a reabilitação oficial. Em 1980, liderados pelos Estados Unidos, 65 países boicotaram as Olimpíadas de Moscou em razão da invasão do Afeganistão pela União Soviética em 1979 (quanta ironia, não?). Quatro anos depois veio a retaliação: os soviéticos lideraram o bloco comunista no boicote dos Jogos em Los Angeles, 1984. Desde então os boicotes aos Jogos fazem sombra ao ideal fraterno e igualitário do Barão Pierre de Coubertin. Nos atuais Jogos de Pequim a discussão gira ao redor de temas como respeito aos direitos humanos e das liberdades individuais (há pelo menos 130 presos políticos na China), censura e liberdade de imprensa, pena de morte, poluição e, principalmente, o Tibete.

O presidente chinês Hu Jintao afirmou que politizar as Olimpíadas não ajuda a resolver essas questões e também viola o espírito olímpico. Mas é inegável que “a visibilidade e o simbolismo dos Jogos Olímpicos lança um holofote sobre quaisquer atividades do país anfitrião e chama a atenção para questões não-esportivas. Conceder os Jogos Olímpicos à China elevou o diálogo internacional a respeito [por exemplo] da situação no Tibete”, conforme nota do Comitê Olímpico Internacional.

Ironicamente, o lema oficial dos Jogos Olímpicos de Pequim, China, 2008 é “um mundo, um sonho”, muito perto da utopia de John Lennon: “nenhum paraíso, nenhum inferno abaixo de nós, e acima, apenas o céu; nenhum país, nada pelo qual matar ou morrer, e sem religião também; nada de posses, sem necessidades para ganância ou fome; apenas uma irmandade de homens, dividindo todo o mundo”.

A verdade é que não é possível ser apolítico: o silêncio pode ser um protesto e um gesto de omissão. Em ambos os casos afetam a realidade, quer para sua transformação, ou sua perpetuação. Fazer política não é uma questão de opção. A opção diz respeito a “como fazer política”. Também não é possível ser ateu, pois todo ato político é um ato utópico, ainda que no podium de uma Olimpíada. Todo ato é um ato político. Toda utopia é um ato de fé.

Por isso nós cristãos oramos: “venha o teu Reino, seja feita a tua vontade, assim nos céus de Pequim (Tbilissi, Washington, Cabul, Bagdá, Brasília...), como nos céus dos céus”.

© 2008 Ed René Kivitz

Nenhum comentário: